O Pix, sem a necessidade de redirecionamento, pode ocupar uma parte do mercado tradicionalmente dominado pelos cartões de crédito.
A integração do Pix às carteiras digitais tem o potencial de ampliar significativamente sua presença em áreas atualmente dominadas pelos cartões de crédito. Especialistas acreditam que essa combinação de ferramentas pode remover os principais obstáculos que ainda limitam o uso do Pix em pagamentos de produtos e serviços no mundo físico. No futuro, o Pix associado a linhas de crédito pode até substituir os cartões de crédito sem anuidade.
Na última sexta-feira (02), o Banco Central (BC) estabeleceu novas regras para a chamada “jornada sem redirecionamento”. Essa inovação utiliza o Open Finance para permitir que os pagamentos com Pix sejam realizados sem a necessidade de acessar aplicativos de bancos ou fintechs, ou de digitar senhas. Essa ferramenta permitirá que os clientes utilizem o Pix de maneira tão simples quanto o pagamento por aproximação com cartões.
Ricardo Pandur, gerente sênior de Estratégia de Negócios em Serviços Financeiros da Accenture, acredita que a entrada do Pix nas carteiras digitais pode aumentar substancialmente sua participação nos pagamentos no Brasil. Um dos principais pontos de expansão pode ser o uso de celulares para pagamentos por aproximação, modalidade que já representa 25% dos pagamentos realizados por dispositivos móveis, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). “Provavelmente, é nesse contexto que o Pix NFC começará a ter um papel mais ativo”, comenta Pandur.
Em junho deste ano, o Pix movimentou R$ 2,2 trilhões, um aumento de 57% em relação ao ano anterior, de acordo com o BC. Embora não existam dados específicos sobre os diferentes tipos de uso, especialistas indicam que a maioria das transações ainda ocorre entre pessoas, com pouca penetração no comércio físico. A necessidade de acessar o aplicativo bancário é vista como a principal barreira para essa expansão.
Mesmo antes da divulgação das novas regras, o mercado já estava se adaptando. O Itaú Unibanco, por exemplo, planeja oferecer a opção de pagamento por aproximação com Pix a partir de outubro, com aceitação em maquininhas da Rede. O Google também já incorporou o Pix ao Google Pay, inicialmente para clientes do C6 Bank e do PicPay.
Embora o impacto do Pix sobre os cartões de crédito não seja imediato, Boanerges Ramos Freire, consultor e presidente da Boanerges & Cia, observa que o limite de crédito associado aos cartões ainda representa uma vantagem competitiva. “Essa função está sendo pensada para o Pix no futuro. As soluções disponíveis atualmente ainda são exclusivas de quem as oferece”, destaca Freire.
O Banco Central estuda o lançamento do “Pix garantido”, que ainda não tem data de estreia, mas já existem soluções similares no mercado oferecidas por bancos e fintechs. Essas soluções utilizam limites pré-aprovados de cartões de crédito ou de cheque especial. Quando um cliente parcela um Pix ou realiza uma transferência sem saldo disponível, o pagamento é realizado na fatura do cartão ou no limite do cheque especial.
No Itaú, por exemplo, o cliente pode escolher entre essas opções. “Nosso papel é oferecer as melhores soluções para que o cliente escolha a que faz mais sentido para ele”, explica Mario Miguel, diretor de Pagamentos para Pessoas Físicas do banco, que é o maior emissor de cartões do Brasil.
Essa interconexão entre produtos revela duas tendências: os bancos podem se beneficiar ao conceder crédito via Pix, e os cartões sem anuidade, que não oferecem benefícios como programas de pontos, podem perder relevância com as novas soluções de pagamento instantâneo.
“Em algumas discussões, ouvimos que o limite de crédito pertence ao cliente, não ao cartão. Com as novas tecnologias, esse limite se torna facilmente transferível”, observa Pandur, da Accenture. Ele acredita que os maiores impactos serão sentidos por outros atores da indústria de cartões, como as credenciadoras e bandeiras, que precisarão aumentar a eficiência operacional e buscar a liquidação instantânea dos pagamentos.
Atualmente, os comerciantes recebem os pagamentos via Pix de forma imediata, mas precisam esperar até 28 dias para que os valores pagos com cartões de crédito sejam liberados. Para obter acesso imediato ao dinheiro, eles precisam descontar os recebíveis, o que acarreta custos adicionais. Essa é uma das razões pelas quais muitos estabelecimentos oferecem descontos para pagamentos com Pix.
Até o momento, o impacto do Pix tem sido mais evidente sobre os cartões de débito, que registraram uma queda de 0,4% no primeiro trimestre deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado, de acordo com a Abecs. Em contraste, o uso do crédito cresceu 14,4%, contribuindo para a expansão do mercado em 11,4%, totalizando R$ 965 bilhões de janeiro a abril.